No contexto atual, a crise alimentar no Brasil tem se intensificado de maneira alarmante. Segundo dados da pesquisa Datafolha realizada em abril de 2025, a inflação tem corroído o poder de compra da população, levando mais de metade dos brasileiros a reduzir a quantidade de alimentos adquiridos. Especialmente entre os mais vulneráveis, essa redução atinge 67%. O estudo, que entrevistou 3.012 pessoas em 172 municípios, destaca não apenas uma questão econômica, mas também uma emergência social que afeta profundamente as escolhas diárias dos lares brasileiros.
Em Salvador, Ana Lúcia, diarista e mãe solo de três filhos, relata como a realidade tem exigido adaptações drásticas. “Tem dias que a gente improvisa”, conta ela, explicando que usa arroz com ovo para garantir refeições básicas. A carne, outrora um componente essencial da mesa, agora só aparece quando está em promoção.
Neste cenário desafiador, os preços dos itens básicos continuam subindo. Em março de 2025, o tomate registrou um aumento de 22,5%, enquanto o ovo e o café tiveram aumentos significativos de 13,1% e 8,1%, respectivamente. Este último acumula uma alta impressionante de 77,7% em um ano. Comer fora, antes considerado uma prática comum, tornou-se um luxo inacessível para 61% dos entrevistados. Além disso, frutas, legumes e verduras saudáveis foram eliminados ou drasticamente reduzidos nas compras de 39% das famílias.
A pesquisa revela ainda que 25% dos brasileiros enfrentam dificuldades para manter comida suficiente em casa. Essa disparidade é particularmente gritante ao comparar os estratos sociais: enquanto apenas 12% dos mais ricos relatam escassez, esse índice salta para 37% entre os mais pobres. Para lidar com a situação, 50% dos brasileiros cortaram gastos com energia elétrica, água e gás, enquanto outros 47% buscaram rendas extras para equilibrar suas contas.
Diante dessa realidade, fica evidente que a crise alimentar vai muito além de números e estatísticas. Trata-se de uma transformação profunda na maneira como milhões de brasileiros vivem e se relacionam com o alimento. A culpa pela escalada dos preços é amplamente atribuída ao governo federal por 54% dos entrevistados, especialmente nos estados do Sul e entre eleitores de Jair Bolsonaro. No entanto, entre os mais pobres, fatores como condições climáticas adversas e práticas dos produtores rurais são igualmente mencionados.
Eventos climáticos extremos, como secas no Centro-Oeste e enchentes no Sul, têm exacerbado a escassez de produtos agrícolas. Isso, somado à elevação do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) em março de 2025, trouxe pressões adicionais sobre os orçamentos familiares.
Para muitos, esta crise redefine tradições antigas. O café da manhã, outrora símbolo de conforto e conexão, tornou-se mais simples, com 50% dos brasileiros optando por marcas mais baratas ou reduzindo seu consumo.
Como jornalista, observo que esta crise alimentar reflete não apenas falhas econômicas, mas também desigualdades estruturais profundas. Milhões de famílias estão sendo forçadas a reorganizar suas prioridades e adaptar hábitos antigos. Esta situação exige políticas públicas mais eficazes e inclusivas, capazes de mitigar os impactos da inflação sobre os mais vulneráveis. Ao mesmo tempo, é crucial reconhecer que a segurança alimentar é direito básico e fundamental para a dignidade humana. Sem soluções urgentes, o futuro pode reservar ainda mais desafios para aqueles que já lutam diariamente para colocar comida na mesa.