O Maranhão tornou-se palco de um momento significativo na luta por justiça social. Na última sexta-feira, uma reunião histórica ocorreu no auditório do Hospital Aquiles Lisboa, unidade especializada no combate à hanseníase e ampliada durante a gestão do ex-secretário de Saúde Carlos Lula (PSB). O encontro reuniu autoridades, representantes do Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) e sobreviventes da política de isolamento compulsório implementada décadas atrás. Durante o evento, foram discutidas medidas práticas para facilitar o acesso às indenizações previstas em lei federal.
UM PASSO PARA REPARAR DÉCADAS DE INJUSTIÇA
O Papel Fundamental do Estado na Reconstrução Familiar
No coração dessa mobilização está o reconhecimento da responsabilidade do Estado brasileiro nas políticas equivocadas que marcaram gerações. Ao longo das décadas de 1930 a 1980, milhares de famílias foram desfeitas pelo sistema de internação compulsória, onde pais diagnosticados com hanseníase eram separados de seus filhos. Esses menores frequentemente eram enviados a instituições ou colocados em adoção sem qualquer consideração emocional ou jurídica. O impacto dessa prática ainda ecoa hoje nos corações dos chamados "filhos separados". A atuação do Ministério da Saúde tem sido crucial nesse processo. Em seu discurso, Arthur Custódio, assessor técnico do órgão, destacou que o crime não se limitava ao isolamento físico, mas também à destruição sistemática de vínculos familiares. Ele explicou como a nova regulamentação busca minimizar os danos irreparáveis causados por essa prática injusta. O Decreto 12.312/2024 oferece não apenas uma compensação financeira, mas também um reconhecimento formal do erro estatal.Ainda assim, muitos questionam se a simples indenização pode resgatar décadas de ausência parental. Para essas pessoas, o valor monetário simboliza algo maior: a possibilidade de reconstruir sua história e recuperar a dignidade perdida. No caso específico do Maranhão, o cenário é ainda mais complexo, dado o número elevado de casos registrados no estado. Isso coloca uma pressão adicional sobre as autoridades locais para garantir que todos tenham acesso igualitário aos benefícios previstos.Uma Proposta Estadual: O Compromisso do Deputado Carlos Lula
Diante desse contexto, o deputado estadual Carlos Lula assumiu um papel protagonista na busca por soluções mais abrangentes. Durante a reunião, ele propôs que o Maranhão vá além das obrigações impostas pela legislação federal. Seu argumento central é que o estado deve assumir integralmente suas responsabilidades perante as vítimas dessa política discriminatória. Para isso, o parlamentar colocou sua equipe jurídica à disposição dos afetados, oferecendo apoio gratuito na organização documental necessária para requerer a pensão vitalícia. Além disso, Carlos Lula sugeriu a formulação de uma proposta específica destinada ao governo estadual. Essa iniciativa pretende criar mecanismos adicionais de reparação, incluindo programas educativos e assistenciais direcionados às famílias diretamente impactadas.Esse movimento reflete uma tendência crescente no país: estados começam a reconhecer sua parcela de culpa e agem de forma proativa para remediar os erros do passado. No entanto, essa postura nem sempre encontra resistência apenas entre os setores governamentais, mas também enfrenta barreiras sociais profundamente arraigadas. A luta contra o preconceito associado à hanseníase ainda é uma realidade diária para muitas dessas famílias.A Voz das Vítimas: Testemunhos Marcantes
Entre os presentes na reunião estava Maria das Dores Feiras, conhecida como Dorinha, membro ativo do Morhan. Sua trajetória pessoal exemplifica os desafios enfrentados pelos filhos separados. Crescida sem o afeto materno e paterno, ela agora vê esse momento como uma oportunidade de cura coletiva. Emocionada, destacou que a indenização representa muito mais do que um simples pagamento; trata-se de um reconhecimento público da dor sofrida por tantos inocentes.Outro testemunho impactante foi o do vereador Floresmar Gomes, oriundo do município de Matinha. Ele enfatizou a importância de alargar as iniciativas federais para incluir esforços locais. Segundo Gomes, enquanto a lei federal merece celebração, a verdadeira mudança virá quando cada estado assumir sua parte na solução do problema. Ele apela para que os demais deputados maranhenses sigam o exemplo de Carlos Lula e promovam uma agenda conjunta em prol da justiça social.Esses relatos humanizam números frios e transformam a discussão em algo visceral e urgente. Eles lembram à sociedade que trás das portas fechadas das colônias existiam crianças cujas vidas foram moldadas por decisões arbitrárias e cruéis. Agora, essas mesmas vozes clamam por reconhecimento e reparação.Desafios Futuros e Perspectivas Positivas
Embora o decreto federal seja um avanço importante, questões práticas continuam pairando sobre o futuro dessas políticas. Como garantir que todas as vítimas tenham ciência de seus direitos? Quais mecanismos serão implementados para simplificar processos burocráticos? Onde encontrar equilíbrio entre a eficiência administrativa e a sensibilidade necessária para lidar com temas tão delicados?No Maranhão, essas preocupações ganham contornos específicos. A extensão territorial do estado e a diversidade socioeconômica de suas populações exigem soluções adaptadas às particularidades regionais. Por isso, o trabalho conjunto entre poderes públicos e organizações civis será fundamental para superar esses obstáculos. Ao mesmo tempo, há razões para otimismo. A mobilização recente demonstra que a sociedade está mais consciente da necessidade de reparar injustiças históricas. Com esforços coordenados e vontade política, é possível construir um futuro onde tais tragédias não se repitam. Resta saber se essa determinação será suficiente para transformar intenções em resultados concretos.