Mães Migrantes Enfrentam Batalha Jurídica e Emocional Contra a Violência Doméstica no Exterior
Oct 17, 2024 at 8:03 AM
Mães Migrantes Enfrentam Desafios Legais e Emocionais na Luta Contra a Violência Doméstica no Exterior
Mulheres migrantes que sofrem violência doméstica no exterior enfrentam uma série de obstáculos para denunciar os abusos e proteger seus filhos. Desde a dificuldade de reunir provas até a ameaça de deportação, essas mães lutam contra um sistema que muitas vezes as desacredita e as deixa vulneráveis. Conheça as histórias de duas famílias que enfrentaram essa realidade e os desafios legais e emocionais envolvidos.Quando a fuga se torna uma batalha internacional
A Jornada de Patrícia: Escapando da Violência Doméstica nos EUA
Patrícia* era uma mãe desesperada quando decidiu fugir dos Estados Unidos com seus dois filhos, Gabriel* e Olívia*, em 2021. Após anos de abusos físicos e psicológicos por parte do marido, Leandro*, ela finalmente encontrou a coragem de deixar aquele ambiente tóxico, mesmo sabendo que enfrentaria uma batalha legal.Tudo começou ainda no Brasil, quando o casal se conheceu. Patrícia descreve o relacionamento como "muito oito ou oitenta", marcado por altos e baixos, traições e confusão mental. Quando engravidou do primeiro filho, Patrícia se viu diante de uma situação ainda mais complicada, tendo que confrontar a amante do marido.Apesar dos problemas, Patrícia acreditava que poderiam construir uma família feliz. Quando Leandro conseguiu uma oportunidade de trabalho no exterior, eles se mudaram para a América Central, onde a violência se intensificou. Patrícia relata ter sofrido a primeira agressão física nessa época, mas não denunciou o marido, acreditando que poderia mudar o comportamento dele.Após o nascimento da segunda filha, Olívia, a família se mudou para os Estados Unidos, onde a violência de Leandro se tornou ainda mais grave. Patrícia descreve episódios de agressões físicas, incluindo um incidente em que chegou a ser hospitalizada e perdeu a memória temporariamente. Ela também relata que o marido passou a agredir fisicamente os filhos, usando métodos como passar pimenta e vinagre na boca deles.Sem acesso a dinheiro e sem dominar o inglês, Patrícia se sentia cada vez mais isolada e sem opções. Até que, em uma visita a amigos, ela encontrou a coragem de contar tudo o que vinha acontecendo em sua casa. Esses amigos a incentivaram a tomar uma atitude imediata, dando-lhe duas opções: chamar a polícia ou voltar para o Brasil.Patrícia não hesitou em escolher a segunda opção. Ela embarcou com as crianças rumo ao Brasil, deixando para trás uma vida de violência e medo. No entanto, essa decisão desencadeou uma disputa internacional que persiste até hoje.A Luta de Amanda: Recuperando o Filho Subtraído no Brasil
A história de Amanda* também envolve a subtração internacional de uma criança, mas com um desfecho diferente. Ela, o ex-marido e o filho Vicente*, todos brasileiros, viviam no Canadá desde 2015. Após o divórcio, Amanda e o ex-marido negociaram uma autorização de viagem para que Vicente passasse as férias com o pai no Brasil.Confiante de que o ex-marido retornaria com o filho, Amanda autorizou a viagem. Mas, para sua surpresa, o ex-marido comunicou que não tinha previsão de voltar, decidindo ficar no Brasil com Vicente. Desesperada, Amanda acionou a polícia e iniciou o processo de repatriação do filho, amparada pela Convenção de Haia.Após meses de burocracia e batalha judicial, Amanda conseguiu a decisão da Justiça brasileira determinando o retorno de Vicente ao Canadá. Apesar da resistência do ex-marido, ela conseguiu repatriar o filho, enfrentando os desafios emocionais e legais dessa situação.Os Desafios Legais e Emocionais da Subtração Internacional de Crianças
A Convenção de Haia de 1980 e a Convenção Interamericana de 1989 abordam a chamada subtração internacional de crianças e adolescentes, quando são levados, sem consentimento do outro genitor, do país onde costumam viver. Esses tratados internacionais preveem que as nações devem colaborar para que uma criança subtraída possa retornar de forma imediata e segura ao país onde costumava viver.No entanto, há exceções a essa regra geral de retorno da criança ao país de origem. Não há obrigação de devolver a criança ao país de origem quando "existe um risco grave de a criança, no seu retorno, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, ficar numa situação intolerável", prevê o tratado internacional.Organizações civis e autoridades brasileiras vêm defendendo que casos de violência doméstica contra a mãe ou pai também passem a configurar como exceção. Isso porque mulheres migrantes estão mais suscetíveis à violência doméstica e enfrentam diversas barreiras para comprovar os abusos sofridos no exterior, como a dificuldade de obter provas e a falta de acesso a serviços equivalentes aos disponíveis no Brasil.Além dos desafios legais, as crianças e adolescentes subtraídos de um país também enfrentam sérios impactos emocionais. O psiquiatra Guilherme Polanczyk alerta que a saída repentina do ambiente familiar pode gerar um "estresse tóxico" para a criança, com riscos de problemas de saúde mental e de desenvolvimento. Ele recomenda que os pais trabalhem a integração da vida anterior da criança com a nova realidade, evitando empurrar o assunto "para baixo do tapete".Orientações e Alertas do Governo Brasileiro
O governo brasileiro, por meio da Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf), vinculada ao Ministério da Justiça, atua nos casos de subtração internacional de crianças. A Acaf recebe pedidos de outros países para devolver crianças que estão no Brasil e também se comunica com autoridades de outros países para pedir o retorno de crianças ao Brasil.Em casos de violência doméstica no exterior, a cartilha do governo brasileiro orienta que a mãe vítima reúna o maior número de provas do abuso sofrido e as reporte, "na medida do possível", às autoridades locais, antes da decisão de deixar o país. Essas provas podem incluir laudos médicos, relatos para organizações de apoio a vítimas e denúncias à polícia.Além disso, o governo alerta para o fato de a retirada das crianças ser considerada crime em alguns países, o que pode levar a um pedido de prisão do genitor acusado de subtrair a criança. Portanto, é essencial que as mães vítimas de violência doméstica no exterior busquem orientação e apoio antes de tomar qualquer decisão.