Em uma história marcada por segregação e preconceito, muitos filhos de pacientes diagnosticados com hanseníase enfrentam agora a luta por reparação. Durante décadas, essas crianças foram separadas dos pais sob o argumento de evitar a contaminação, apesar da existência de tratamentos que já anulavam essa necessidade. Este artigo explora as histórias emocionantes dessas famílias, os desafios enfrentados e o atual movimento para corrigir injustiças do passado.
Na atmosfera densa das colônias médicas brasileiras, como o Hospital Curupaiti no Rio de Janeiro, milhares de vidas foram fragmentadas pela política oficial de isolamento. Rita de Cássia Barbosa, mãe de Giovana, é um exemplo dessa realidade cruel. Diagnosticada com hanseníase pouco antes do nascimento de sua filha em 1974, ela foi imediatamente separada de Giovana, enviada a um educandário sem qualquer explicação ou direito ao contato maternal. A legislação vigente na época determinava que bebês nascidos em colônias fossem retirados de suas mães, perpetuando ciclos de dor e alienação social.
No contexto histórico, a hanseníase era vista como uma praga moral, associada erroneamente a grupos marginalizados da sociedade. Apesar de ser conhecido desde cedo que o tratamento eliminava rapidamente o risco de transmissão, a prática de confinamento continuou. Estimativas indicam que cerca de 20 mil filhos foram separados de seus pais durante esse período sombrio da saúde pública brasileira.
O reencontro entre Rita e Giovana só ocorreu após seis longos anos, quando Rita conseguiu disfarçar-se como irmã para visitar a filha no educandário. No entanto, o medo constante de ser descoberta impediu encontros frequentes. Somente após mais oito anos, Giovana pôde finalmente retornar à vida materna dentro da colônia.
Muitos outros relatos emergem de ex-residentes desses educandários, marcados por abusos físicos e psicológicos. Marly Silva relembra sua infância traumática, onde era obrigada a cuidar de dezenas de crianças enquanto sofria punições severas. Roberto dos Santos de Jesus também carrega cicatrizes emocionais profundas, incluindo fobia a espaços fechados, resultado de confinamentos brutais durante sua permanência no sistema.
Diante de tantas violações, recentemente o governo sancionou uma lei estendendo pensão vitalícia aos filhos separados. Essa iniciativa visa não apenas compensar financeiramente, mas também reconhecer publicamente as injustiças cometidas. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania lidera agora o processo de análise dos requerimentos, embora ainda faltem respostas concretas sobre cronogramas de pagamento.
Para Artur Custódio, integrante do Movimento de Reintegração dos Atingidos pela Hanseníase (Morhan), esta medida representa um importante passo na justiça de transição. Ele alerta que políticas do passado, fundamentadas em ideologias eugenistas e discriminatórias, devem ser lembradas para evitar repetições futuras. Enquanto muitos afetados já partiram sem receber qualquer reparação, há esperança de que os processos atuais sejam ágeis e eficazes.
Do ponto de vista humano, estas histórias são um lembrete poderoso da importância de combater o estigma e promover inclusão. Apenas reconhecendo nossos erros podemos construir uma sociedade verdadeiramente justa e compassiva. Afinal, a dignidade humana não deve jamais ser sacrificada em nome de supostas "soluções" sanitárias.