Entre as décadas de 1980 e 2000, os índices inflacionários globais e o aumento nos preços dos alimentos apresentaram uma trajetória semelhante. No entanto, desde meados dos anos 2000, observou-se um aumento sistemático nos custos dos produtos alimentícios, que superaram a taxa média da inflação geral em aproximadamente 1 ponto percentual anualmente. Esse fenômeno, com impacto acumulativo ao longo das últimas duas décadas, foi amplificado por eventos extremos recentes, como crises climáticas, desafios logísticos causados pela pandemia e conflitos geopolíticos.
A partir da primeira década do século XXI, especialistas notaram que o comportamento dos preços dos alimentos começou a divergir significativamente dos padrões gerais de inflação. Este fenômeno transcende explicações simplistas baseadas apenas nos eventos mais recentes, como destacado pelo pesquisador André Braz, vinculado ao IBRE. Entre os fatores que intensificaram essa tendência nas últimas décadas estão as interrupções na cadeia de suprimentos ocasionadas pela pandemia global em 2020/21. Além disso, condições climáticas extremas, como a grave crise hídrica enfrentada no Brasil em 2021 e na Argentina em 2023, tiveram impactos diretos sobre a produção agrícola regional.
O cenário internacional também contribuiu para esse aumento, especialmente após a invasão russa da Ucrânia em 2022, país conhecido como "celeiro do mundo" devido à sua importância na produção global de grãos. Esses choques foram ainda exacerbados pelos fenômenos climáticos El Niño e La Niña em 2023/24, afetando profundamente a agricultura brasileira.
Neste contexto, torna-se evidente que o aumento sistemático dos preços dos alimentos não pode ser atribuído exclusivamente aos eventos ocorridos a partir de 2020. A análise histórica revela uma transformação estrutural que já estava em andamento há várias décadas. O entendimento dessa dinâmica exige uma abordagem mais abrangente, considerando tanto fatores locais quanto globais.
O crescente descolamento entre os preços dos alimentos e a inflação geral representa um desafio significativo para economias ao redor do mundo. Enquanto eventos pontuais, como crises climáticas e conflitos geopolíticos, podem agravar temporariamente a situação, é fundamental reconhecer as mudanças estruturais subjacentes. Para mitigar os impactos socioeconômicos decorrentes deste fenômeno, será necessário um esforço coordenado entre governos, produtores e instituições internacionais, visando garantir a segurança alimentar global e promover políticas sustentáveis de longo prazo.