No contexto econômico atual, a alta dos preços dos alimentos tem forçado muitas famílias brasileiras, especialmente as de baixa renda, a reavaliarem suas escolhas alimentares. Em Fortaleza, Veronica, residente do bairro Serviluz, enfrenta desafios significativos para manter uma dieta equilibrada para ela e seus três netos. Desde meados de 2024, o aumento no custo de produtos essenciais como frutas, verduras e carnes tornou-se insustentável para seu orçamento limitado. Como resultado, substituições por alimentos mais acessíveis, porém menos nutritivos, têm se tornado comuns, levando à crescente presença de produtos ultraprocessados nas mesas brasileiras.
Em um cenário marcado pela instabilidade econômica, Veronica, beneficiária do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e impossibilitada de trabalhar devido a uma deficiência, relata que itens básicos como café, leite e carne foram progressivamente substituídos por alternativas mais baratas. O chá substituiu o café, sucos industrializados tomaram o lugar do leite infantil, e a mortadela passou a ser a principal fonte de proteína. A banana, por sua vez, tornou-se praticamente a única fruta acessível devido ao elevado custo de outras opções.
O impacto da inflação não é uniforme entre os diferentes tipos de alimentos. De acordo com dados da coalizão Pacto Contra a Fome, enquanto os alimentos in natura e minimamente processados sofreram um aumento de 2,35% em fevereiro, os produtos ultraprocessados registraram apenas 0,80%. Essa discrepância reflete uma tendência observada desde 2020, com alimentos naturais acumulando inflação de 49%, contra 38% nos ultraprocessados. Vitor Hugo Miro, pesquisador da FGV IBRE, explica que isso ocorre porque os ultraprocessados são produzidos em larga escala e utilizam ingredientes substituíveis, reduzindo sua sensibilidade aos aumentos de preço.
Para famílias como a de Veronica, essa diferença significa uma mudança drástica nos hábitos alimentares. Com gastos com alimentos representando uma fatia considerável do orçamento familiar, os pobres são particularmente vulneráveis às flutuações de preços. Ricardo Mota, gerente de inteligência da Pacto Contra a Fome, destaca que a oscilação recorrente dos preços de alimentos saudáveis pode desencorajar seu consumo, incentivando a adoção de produtos mais estáveis, mas menos nutritivos.
Do ponto de vista da saúde pública, o aumento no consumo de alimentos ultraprocessados apresenta preocupações sérias. Segundo Ilana Nogueira Bezerra, nutricionista e professora da UECE, esses produtos afetam negativamente o apetite, a microbiota intestinal e até mesmo o desenvolvimento cognitivo, especialmente em crianças. “O impacto dessas escolhas alimentares inadequadas pode ser sentido ao longo da vida, favorecendo o surgimento de doenças crônicas”, alerta.
Diante deste cenário, especialistas defendem a necessidade de políticas públicas que promovam a produção sustentável de alimentos saudáveis. Apoiar pequenos agricultores e incentivar a compra direta em feiras locais podem ser estratégias eficazes para melhorar o acesso a produtos frescos e de qualidade. Além disso, o Programa Nacional de Alimentação Escolar desempenha um papel crucial na promoção de hábitos alimentares mais saudáveis entre as crianças.
Como jornalista, é impossível ignorar o impacto social e humano por trás desses números. A crise alimentar não é apenas uma questão econômica; ela reflete profundamente na saúde, cultura e bem-estar das comunidades. Para construir um futuro mais resiliente, é fundamental garantir que todos tenham acesso a uma alimentação digna e nutritiva, independentemente de sua condição financeira.