Com Ricardo Nunes, lei que garante orgânicos na escola vive retrocesso em São Paulo

Sep 24, 2024 at 1:00 PM

Alimentação Escolar Saudável: Um Desafio Urgente para São Paulo

Imagine se a maior cidade do Brasil oferecesse alimentação livre de agrotóxicos nas 2,7 milhões de refeições que alimentam um milhão de crianças na rede municipal de ensino. Um círculo virtuoso em que bebês e crianças passariam a ter acesso a uma alimentação mais saudável desde os primeiros anos de vida e em que as compras públicas garantiriam a pequenos produtores mais segurança para investir na transição agroecológica e na produção orgânica. Essa realidade, no entanto, ainda parece distante para a cidade de São Paulo, apesar da existência de uma lei municipal que deveria garantir a inclusão de alimentos orgânicos na merenda escolar.

Alimentação Escolar Saudável: Um Desafio Urgente para São Paulo

A Lei dos Orgânicos e a Promessa Não Cumprida

A capital paulista deveria estar a apenas dois anos de garantir 100% de alimentação livre de venenos nas escolas municipais. Entretanto, a realidade está bem distante dessa meta: no ano passado, apenas 4% do que foi servido nas escolas era orgânico. Isso significa que a Prefeitura de São Paulo deixou de cumprir a Lei 16.140, criada em 2015, que previa um aumento progressivo das compras de orgânicos para a alimentação escolar, chegando a 100% em 2026.Segundo a legislação, a Prefeitura deveria ter adquirido cerca de R$ 230 milhões em orgânicos e/ou itens agroecológicos no ano passado, valor que representa metade do total de gastos com alimentos. No entanto, os contratos de compras firmados em 2023 somaram apenas R$ 10,8 milhões, de acordo com informações da Secretaria Municipal de Educação.

O Retrocesso na Implementação da Lei

Tudo parecia caminhar bem até 2018, quando a gestão do ex-prefeito João Doria entrou em ação. Nesse período, a Prefeitura chegou a comprar hortaliças, arroz, suco de uva, doce de banana, banana e molho de tomate orgânicos, além dos alimentos da agricultura familiar previstos no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).No entanto, a partir de 2019, a comunicação institucional da Prefeitura passou a divulgar informações distorcidas sobre a legislação, misturando os números de agricultura familiar e de orgânicos. Além disso, a gestão Doria e seus sucessores, Bruno Covas e o atual prefeito Ricardo Nunes, apostaram na terceirização da gestão da rede municipal de educação, o que acabou afetando diretamente as compras da alimentação escolar.

O Impacto da Terceirização e Conveniamento

A terceirização e o conveniamento das creches e escolas municipais foram fatores determinantes para o descumprimento da Lei dos Orgânicos. Até 2016, as creches conveniadas representavam 30% das refeições servidas e recebiam esses alimentos. A partir de 2017 e 2018, cada unidade passou a receber recursos para que fizessem suas próprias compras, o que impactou consideravelmente a aquisição de orgânicos.Atualmente, a cidade de São Paulo possui três modelos de gestão das escolas: a direta, a terceirizada e a conveniada. Na administração direta, o poder público faz as compras dos alimentos e os distribui às unidades educacionais, o que é considerado o modelo ideal para a implementação de políticas públicas como a Lei dos Orgânicos. Já no modelo terceirizado, as compras são feitas por uma empresa licitada, enquanto no conveniado, as próprias entidades mantenedoras são responsáveis pelas aquisições.

Os Desafios da Agricultura Familiar e Orgânica

Além da terceirização e do conveniamento, outros fatores também dificultam a implementação da Lei dos Orgânicos na alimentação escolar de São Paulo. Um deles é a falta de uma estrutura de distribuição voltada para esses alimentos e de mais assistência técnica para a agricultura familiar, o que acaba aumentando o preço final e desestimulando uma produção mais sustentável.Outro desafio é o custoso processo de certificação orgânica, objetivo final da transição agroecológica. Esse processo representa um obstáculo para muitos pequenos produtores, que acabam buscando alternativas em grupos de consumo, empórios e pequenos mercados, deixando de atender às compras públicas.

O Impacto da Pandemia e do Colapso Climático

A pandemia de COVID-19 também afetou diretamente a implementação da Lei dos Orgânicos na alimentação escolar de São Paulo. Segundo relatos, a "engrenagem" que vinha funcionando até então parou de funcionar totalmente durante esse período.Além disso, as consequências do colapso climático têm se refletido nas compras públicas de alimentos orgânicos e agroecológicos. No ano de 2024, os contratos disponíveis na página de transparência da Prefeitura somaram apenas R$ 2,18 milhões, um valor ainda mais tímido do que o registrado no ano anterior.Essa realidade evidencia a urgência em se rediscutir os sistemas alimentares da cidade, buscando soluções que priorizem a sustentabilidade, a segurança alimentar e a saúde das crianças e adolescentes atendidos pela rede municipal de ensino.