No rio Negro, um dos gigantes da Amazônia, a estiagem severa trouxe à tona, após 13 anos submersas, gravuras rupestres no sítio arqueológico e geológico Ponta das Lajes, próximo ao Encontro das Águas, na orla de Manaus. Neste local, as gravuras foram identificadas pela primeira vez em 2010, ano da segunda maior seca registrada na região. Em 2023, com o nível da água mais baixo, petróglifos de animais e rostos humanos ainda não catalogados apareceram no sítio.
Entre as marcas naturais do pedral da Ponta das Lajes há incisões indicando que os povos que viveram no local antes da colonização europeia usavam as rochas como amoladores e polidores de ferramentas. O arqueólogo do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) Jaime Oliveira afirma que, pelas características, funcionou ali, no mesmo período da era cristã, uma oficina para confeccionar instrumento de caça. “Nesse local, os povos confeccionavam ferramentas pré-coloniais com técnicas de lascamento para obter objetos cortantes e bifaciais, usados no dia a dia deles para cortar alimentos e caçar”, explicou.
A 260 quilômetros de Manaus, outros “emotions pré-colombianos” foram encontrados no município de Urucará, no baixo Amazonas, em ao menos dois locais. Na filmagem feita há um século pelo cineasta documental Silvino Santos, “Amazonas, o maior rio do mundo”, petróglifos de animais e rostos humanos aparecem como parte do cenário regional na estiagem dos rios. O filme com imagens da Amazônia no século passado era dado como perdido há décadas e, após ser reencontrado na República Tcheca, foi exibido em 2023 em algumas capitais do País.
Uma das hipóteses é a de que os povos que fizeram as gravuras nas pedras eram nômades e, ao percorrerem as margens do rio, deixaram suas marcas. A pedagoga Nísia Gama, que mora no Urucará e visitou os locais com os petróglifos, teme que a história se perca por abandono das autoridades. Ferramentas pré-colombianas foram retiradas do local após a descoberta, pessoas defenderam levar as rochas para a sede urbana da cidade e a grande procura deixou rastro de lixo e vandalismo no sítio arqueológico. “São muitos desenhos em muitas pedras. Para mim, precisamos criar o sítio arqueológico de Urucará, trabalhar na educação do povo para preservar o local. Buscamos, mas o Iphan nem apareceu aqui”.
É pouco para os 810 sítios arqueológicos já reconhecidos no Estado – 8.099 em toda a Amazônia. O quadro piora com a possibilidade de novos sítios revelados por estudo de pesquisadores do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Ao investigarem 0,08% da Amazônia, o estudo encontrou 24 estruturas, ainda não catalogadas, no Mato Grosso, Acre, Amapá, Amazonas e Pará.
Várias regiões da Amazônia, segundo o pesquisador, são resultado de intensa intervenção humana do passado. O estudo possibilita alterar o entendimento sobre o processo de recuperação da floresta. “Os estudos nos ajudam a perceber que a Amazônia não é tão intocada como muitos pensam. Essa questão é extremamente importante para a arqueologia e ecologia. O entendimento sobre como a floresta se regenera ao longo do tempo pode nos guiar nos diversos modelos de mudanças climáticas. Hoje, a ciência tem conhecimento sobre regeneração florestal de 40, 50 anos. Mas podemos estudar áreas que estão em processo de regeneração há 500 anos ou mais”, avaliou o geógrafo.
A seca severa dos rios também revelou novos artefatos de cerâmica indígenas. O Iphan Amazonas foi comunicado de ocorrências em Anamã e Tefé, no rio Solimões. “Vamos orientar as prefeituras municipais para que eles nos ajudem na ponta, nas urgências. Nossa mobilidade ficou limitada. Até meados de novembro só tínhamos um arqueólogo”, declarou a superintendente do Iphan, no Amazonas, Beatriz Calheiros.
O geógrafo Vinicius Peripato afirma na Amazônia brasileira havia sociedades densas no período pré-colombiano, como por exemplo na região do alto Xingu, que tinha uma constelação de cidades com independência, mas com bastante comunicação. ‘Machu Pichu (Peru) deixou estruturas monumentais e tinham materiais líticos (relativo a pedras) para fazer essas construções. No território brasileiro, os povos só tinham madeira e terra, que degradam bastante. Os estudos mostram que as atividades na Amazônia brasileira eram bem badaladas”, afirmou.
A degradação da madeira também é um fator prejudicial ao forte Francisco Xavier, em Tabatinga, que deteriorou, foi parar no fundo do rio na cheia de 1932 e reapareceu em 2023, na maior estiagem medida na cabeceira de outro gigante da bacia amazônica, o rio Solimões. O que sobrou do forte é um registro histórico da ocupação da coroa portuguesa na tríplice fronteira do Brasil/Peru/Colômbia. As fortificações também representam a imposição da cultura europeia sobre os povos que habitavam a região e sofreram massacres e etnocídio. O nome foi uma homenagem ao irmão do Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal entre 1750 e 1777, período colonial no Brasil.
Registros históricos de 1820 afirmam que a estrutura, que protegia a fronteira, sobrevivia “em ruínas” com canhões enferrujados. Outro registro, sete anos depois, diz que o forte não tinha sequer uma bandeira para alçar. Segundo a pesquisa, os canhões do forte já eram obsoletos quando ele foi construído e hoje estão no Museu Histórico do Rio de Janeiro, no Comando de Fronteira do Solimões/8º Batalhão de Infantaria de Selva e no fundo do rio Solimões.
A vila recebia embarcações a vapor da Europa que traziam os mais diversos produtos comercializados na região entre os donos dos seringais e voltava ao continente de origem lotada de borracha. Ainda segundo o livro, a vila nos rincões da Amazônia contava com joalherias, lojas de moda, farmácia, jornal e cabaré com mulheres de centros europeus. A libra esterlina era moeda corrente em Remate dos Males, no extremo oeste do Amazonas, no final do século 19 e início do século 20.
Outro registro trazido do fundo do rio pela estiagem em 2023 é um catamarã, embarcação a vapor usada na região no período dos grandes seringais. Em outubro deste ano, um ribeirinho encontrou os vestígios no rio Purus de uma embarcação naufragada e informou os coordenadores do projeto Rios On Line. “Deu para ver as chaminés, a roda do barco a vapor. Era uma embarcação usada no final do século 19 e início do século 20 na região”, afirma o professor de geociências da Ufam, Naziano Filizola.
O barco a vapor naufragou na antiga Vila de Coari, no Solimões, cujo curso passa pelo afluente rio Purus, onde o catamarã foi encontrado. Segundo os relatos, levava cerca de 150 pessoas e, na terceira classe, havia animais, pólvora e combustível misturados aos passageiros mais pobres (ribeirinhos, nordestinos e indígenas). As vítimas morreram carbonizadas e afogadas.
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